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Desafios Adaptativos: O Preço de não se Adaptar

  • Foto do escritor: Leonardo da Silveira
    Leonardo da Silveira
  • 30 de out.
  • 5 min de leitura

Já pensou o quanto das nossas práticas organizacionais mudaram ao longo dos últimos cinco anos? Vivemos uma era em que a inteligência artificial não está apenas transformando o modo como trabalhamos — está reescrevendo a própria lógica de como aprendemos, decidimos e coexistimos nas organizações. 


O ritmo das mudanças tecnológicas expõe uma verdade incômoda: as estruturas humanas se movem mais devagar que as máquinas que criamos.


Quando a velocidade de transformação do contexto ultrapassa a capacidade de adaptação das instituições, nasce o descompasso que antecede o colapso. É nesse contexto que as ideias de liderança adaptativa, método criado em Harvard pelo Professor Ron Heifetz há mais de 40 anos e aplicado pela Fractal em seus processos de transformação, geram um incômodo produtivo para as organizações.


Empresas não fracassam por falta de inteligência técnica — mas por não reconhecerem a natureza dos seus desafios. Em outras palavras, tentam navegar um novo mundo com mapas antigos. Consertam o barco enquanto o rio muda de curso.


Quando o sucesso passado se torna inimigo do futuro


Histórias de sucesso são, frequentemente, o maior risco para o futuro. O que trouxe resultados ontem pode se tornar a principal barreira para aprender amanhã. A ideia de honrar o seu DNA cultural é central para mudanças incrementais e sustentáveis, mas dependendo dos estímulos existentes dentro de um sistema existe a necessidade de desenvolver novas capacidades coletivas. É o paradoxo da competência: quanto mais dominamos um modelo, mais difícil se torna abandoná-lo.


A Kodak é talvez o exemplo mais emblemático. Criadora da câmera digital em 1975, a empresa escondeu sua própria invenção — com medo de que ela ameaçasse o negócio dos filmes fotográficos, sua principal fonte de lucro e prestígio.


O dilema não era técnico; era adaptativo. A empresa sabia o que precisava fazer, mas não estava disposta a enfrentar as perdas associadas à mudança: reestruturações, redefinição de identidade e o fim de um modelo que simbolizava décadas de sucesso.


O resultado foi previsível: enquanto protegia seu passado, o futuro lhe escapava pelas mãos.


A Nokia, por sua vez, dominava o mercado global de celulares. Sua queda não se deveu à falta de inovação técnica — seus engenheiros eram brilhantes —, mas à incapacidade de se adaptar culturalmente ao novo ecossistema digital. Internamente, a organização sofria com hierarquias rígidas, medo de falar verdades incômodas e uma cultura que confundia lealdade à liderança com lealdade ao propósito.


O que faltou não foi tecnologia, mas o que Heifetz chamaria de “trabalho adaptativo”: a capacidade de expor tensões, lidar com perdas e redistribuir poder para aprender rápido.


O resultado foi previsível: enquanto protegia seu passado, o futuro lhe escapava pelas mãos.


Já a Blockbuster acreditou que sua autoridade no mercado bastaria para sustentar o negócio. Ignorou sinais claros de mudança no comportamento do consumidor — a conveniência do streaming, a experiência digital, o deslocamento da posse para o acesso. Seu erro não foi não ver o que estava vindo; foi não acreditar que precisava aprender. Quando finalmente tentou responder, o sistema já havia mudado demais.


O resultado foi previsível: enquanto protegia seu passado, o futuro lhe escapava pelas mãos.


Essas histórias ilustram um ponto central da liderança adaptativa: organizações morrem não por falta de respostas, mas por insistirem nas perguntas erradas. Elas trataram dilemas adaptativos — mudança de propósito, modelo mental e identidade — como se fossem problemas técnicos a serem resolvidos por especialistas. Problemas têm solução; desafios, não. Você experimenta e avança em uma direção, às vezes anda em diagonal ao invés de uma linha reta, mas entende-se que não há um caminho simples para trilhar.


O que são desafios adaptativos


Heifetz define liderança como a prática de mobilizar pessoas para enfrentar desafios, aprender e avançar em direção ao propósito. Esses desafios são chamados de adaptativos justamente porque não têm solução pronta. Exigem experimentação, diálogo e, sobretudo, disposição para abrir mão de certezas.


Problemas técnicos pedem competência; desafios adaptativos pedem coragem. Competência corrige o que já conhecemos. Coragem confronta o que ainda não sabemos.


Organizações que confundem um com o outro tendem a criar uma ilusão de progresso — reestruturam, contratam consultores, mudam organogramas — sem jamais tocar nas conversas que realmente importam: aquelas que envolvem poder, perda e propósito.


Sinais de que sua organização está evitando o trabalho adaptativo


1. Busca por respostas rápidas

O sistema trata dilemas profundos como se fossem problemas técnicos. A pergunta recorrente é: “Quem vai resolver?” em vez de “O que precisamos aprender?”


2. Foco em estrutura, não em cultura

Reformas organizacionais substituem conversas difíceis. Mudam-se os nomes dos cargos, mas não as crenças que os sustentam.


3. Silêncio sobre o que realmente importa

As pessoas evitam falar das perdas, tensões e medos associados à mudança. O consenso é confortável — e estéril.


4. Autoridade e hierarquia como escudos

Líderes assumem sozinhos a responsabilidade por dilemas coletivos, alimentando a dependência e limitando o aprendizado do grupo.


5. Inovação sem desconforto

Há entusiasmo por “novas ideias”, mas pouca disposição para questionar o que precisa morrer para que algo novo nasça.


6. Cansaço crônico e cinismo crescente As pessoas participam de muitas iniciativas, mas acreditam em poucas. É o sintoma clássico de uma organização que finge mudar para continuar igual.


O impacto de ignorar o lado adaptativo


Ignorar o trabalho adaptativo é negligenciar o próprio propósito. É investir em eficiência enquanto se perde relevância.  É entregar resultados sem fazer sentido.


Os sintomas são conhecidos:


  • Mudanças superficiais que não se sustentam;

  • Programas de inovação que preservam o status quo;

  • Discursos de cultura que evitam conflito real;

  • Equipes cansadas de participar de transformações que não transformam.


Quando isso acontece, a liderança é confundida com gestão — e o papel do líder se torna o de apagar incêndios técnicos em vez de sustentar o fogo do aprendizado coletivo. Sem espaço para experimentação e desconforto, o sistema se paralisa. Ele sobrevive, mas não evolui.


A liderança como prática, não posição


Em momentos de incerteza, o instinto é buscar autoridade — alguém que “saiba o que fazer”. Mas o trabalho da liderança adaptativa é exatamente o oposto: devolver o problema àqueles que precisam aprender com ele.


Liderar é criar as condições para que as pessoas atravessem a dor da mudança com propósito. É manter o sistema aquecido o suficiente para gerar aprendizado, mas não tanto a ponto de queimar os vínculos. É, nas palavras de Heifetz, “regular a temperatura do sistema” — o que exige presença, escuta e uma enorme capacidade de contenção emocional.


A liderança adaptativa não protege as pessoas do desconforto — ela dá significado ao desconforto. Transforma a dor em aprendizado. Transforma a resistência em lealdade ao futuro, não ao passado.


Adaptar-se é preservar o propósito


Adaptar-se não é trair a identidade; é honrá-la no tempo presente. O verdadeiro risco não está em mudar demais — está em não mudar o suficiente para continuar sendo relevante.

A Kodak, a Nokia e a Blockbuster não foram derrotadas pela inovação, mas pela incapacidade de reinterpretar o próprio propósito diante de um novo contexto. Elas confundiram estabilidade com segurança — e segurança, com imortalidade.


As organizações que prosperarão no futuro serão aquelas que veem a mudança não como ameaça, mas como expressão viva de seu propósito


Serão as que têm coragem de se perguntar, repetidas vezes: “O que precisamos desaprender para continuar sendo quem dizemos ser?”


A liderança adaptativa é, antes de tudo, uma prática de honestidade coletiva. Porque o preço de não se adaptar não é apenas perder espaço no mercado — é perder o sentido de existir.


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